
O doutorando do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva Fernando Hellmann, orientado pela Dra. Marta Verdi, desenvolve sua tese acerca de um dos documentos mais influentes nas legislações internacionais sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos: a Declaração de Helsinque. Fernando participou neste sábado, 13 de outubro de 2013, na cidade de Fortaleza, da Assembléia Geral da Associação Médica Mundial e relata algumas das mudanças ocorridas na nova declaração.
A Declaração de Helsinque (DH), documento promulgado pela Associação Médica Mundial (AMM) completará em 2014 seus 50 anos e permanece sendo um dos principais documentos internacionais de ética pesquisa envolvendo seres humanos. A DH é considerada um “documento vivo” pois após sua promulgação em 1964, ela passou por constantes atualizações de seus princípios (1975, 1983, 1989, 1996, 2000, 2008), duas notas de esclarecimento (2002, 2004) e acaba de finalizar o sétimo processo de revisão (2013), com a adoção da nova DH, as 10:14 minutos deste sábado 18 de outubro de 2013, na Assembleia Geral da AMM que ocorre na cidade de Fortaleza, no Brasil.
A revisão que culminou com atual DH (2013) começou após a Assembleia Geral da AMM ocorrida em outubro de 2011 na cidade de Montevideo, Uruguai. Foram realizadas consultas às associações médicas mundiais e realizaram-se três conferências: Rotterdam (Junho de 2012); Cape Town (Dezembro de 2012); Tóquio (Fevereiro de 2013); Após, nova consulta pública foi realizada (abril a junho 2013) sendo recebido 129 comentários e novo encontro de especialistas e interessados na DH em Washington (Agosto de 2013).
A nova DH apresenta melhor legibilidade através da reorganização e reestruturação do documento com subtítulos; apresenta ainda novo parágrafo para garantir maior proteção para aos participantes de estudos, incluindo a questão da compensação pela primeira vez na história da DH, descrito atual parágrafo 15 que diz: “Deve ser garantida tratamento e compensação apropriada aos indivíduos prejudicados devido sua participação na pesquisa” (tradução do autor). Contudo, Não fica claro quem decidirá o que é apropriado e de que forma será garantida tal compensação e quem irá arcar com as despesas: seriam patrocinadores da pesquisa, sistemas nacional de saúde ou terceiros?
A DH 2013 traz ainda requisitos mais precisos e específicos para acordos pós-estudo. Foi acrescentado um novo parágrafo, de número 22, que diz: “[…] O protocolo deve descrever acordos sobre o acesso pós-estudo dos participantes às intervenções identificadas como benéficas no estudo” (tradução do autor). E o parágrafo que tratava do acesso pós estudo foi modificado para o atual parágrafo 34 que diz: “Antes do ensaio clínico, patrocinadores, pesquisadores e governos dos países anfitriões, devem fazer provisões para o acesso pós-ensaio a todos os participantes que ainda precisam de uma intervenção identificado como benéfico no estudo. Essas informações também devem ser divulgadas aos participantes durante o processo de consentimento informado. Todos os participantes do estudo devem ser informados sobre o resultado do estudo”. (tradução do autor).
Contudo, o parágrafo que permanece controverso é o que diz respeito ao uso de placebo em pesquisas para doenças com tratamentos já comprovados. A nova resolução não fez mudanças no que diz respeito ao seu conteúdo. Faz apenas mudanças para uma abordagem mais sistemática quanto ao uso de placebos, incluindo no texto o uso de intervenções menos eficazes que o a melhor comprovada e o não tratamento do grupo controle, quando justificáveis metodologicamente. O novo parágrafo diz:
33. Os benefícios, riscos, encargos e eficácia de uma nova intervenção devem ser testados comparativamente com a melhor intervenção atual comprovada(s), exceto nas seguintes circunstâncias:
– O uso de placebo, ou nenhuma tratamento intervenção, é aceitável em estudos onde existe nenhuma intervenção atual comprovada, ou
– Quando, por razões metodológicas convincentes e cientificamente sólida, se faz necessário o uso de qualquer intervenção menos eficaz do que a melhor comprovada, placebo ou nenhum tratamento para determinar a eficácia ou a segurança de uma intervenção e os pacientes que receberem qualquer intervenção menos eficaz do que a melhor comprovada , placebo ou nenhum tratamento não estarão sujeitas a quaisquer riscos adicionais de danos sérios ou irreversíveis, como resultado de não receber a melhor intervenção comprovada. (tradução do autor).
Embora a DH 2013 tenha sido aprovada pela maioria das associações médicas mundiais, as associações médicas do Uruguai, Vaticano e Portugal se manifestaram contrários e comentaram seus pontos de vista. Para o representante da Associação Médica do Uruguai, a nova DH é sem dúvidas melhor que a anterior, exceto no que diz respeito ao uso do placebo para pesquisa alusivas às doenças em que já existem medicamentos comprovados, pois esse parágrafo coloca as questões metodológicas na frente das questões éticas e é considerada desfavorável aos interesses dos participantes do estudo. Para o Padre Requena, representante do Vaticano, deveria ser descrito quais seriam tais tipos de pesquisa que poderiam ser consideradas éticas. Já para a Dra. Torunn Janbu, representante da Associação Médica da Noruega, a DH não abre a possibilidade do uso do placebo ou de intervenções de menor eficácia para todos tipos de estudos quando há comprovadas tratamentos existentes, pois a DH clara ao dizer que os pacientes que receberem qualquer intervenção menor que a comprovada não estarão sujeitos a quaisquer riscos adicionais de danos sérios ou irreversíveis, como resultado de não receber a melhor intervenção comprovada. A posição da Dra. Torunn Janbu foi considerada pela maioria dos votantes e a DH foi adotada.
No Brasil, a DH permanecerá não sendo acatada como norma ética em pesquisa, visto que o uso de placebo em situações nas quais existem tratamento eficaz é proibido no País: a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 408/08, incorporada pela nova Resolução CNS 466/12, manifesta-se contrária a tais tipos de pesquisa e o Conselho Federal de Medicina, através da Resolução CFM 1885/08, restringe o uso de placebo e permite placebo como comparativo no braço controle do experimento exclusivamente em situações nas quais não existe tratamento eficaz comprovado. Ressalta-se ainda a Moção da Sociedade Brasileira de Bioética, aprovada por unanimidade no X Congresso Brasileiro de Bioética, ocorrido de 24 a 27 de setembro de 2013 em Florianópolis, a qual é contrária ao uso de placebo como comparador quando tratamentos existem; essa moção recomendou à AMB defender na Assembleia Geral da Associação Médica Mundial de outubro de 2013, a posição defendida pelo CFM – Código de Ética Médica e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/CNS, relacionada ao uso do placebo e também ao acesso pós-estudo.
Embora tenha sido aprovada pela grande maioria das associações médicas mundiais, as controvérsias a respeito da Declaração de Helsinque permanecem e revela novo questionamento: Quando será a próxima revisão da DH?